Resumo:
Só após a última glaciação, por volta de dez mil anos a.C., que as alterações do clima foram dando maior espaço para o
desenvolvimento da agricultura. O fim da última era glacial transformou as condições climáticas em seus mais variados
aspectos. A diminuição das temperaturas provocou a formação de um clima temperado, como também surgiram regiões
áridas e desérticas. Essas mudanças criaram condições para que homens e animais se dispersassem por regiões diversas
em busca de água e vegetação. Dessa forma, quando da chegada do Neolítico, os grupos humanos existentes já acumulavam um variado leque de saberes apreendidos graças à sua habilidade de raciocínio. Ao longo do tempo, já sabiam
distinguir quais tipos de fonte de alimento eram próprias para o seu consumo. Foi nesse cenário que uma profunda
transformação passou a se desenvolver no cotidiano do homem pré-histórico. A observância da própria natureza permitiu que as primeiras técnicas de cultivo agrícola fossem pioneiramente desenvolvidas. Com isso, a garantia de alimento
se tornava cada vez mais acessível e a constante necessidade de deslocamento se tornou cada vez menor.
As condições trazidas pelo Neolítico são essencialmente constituídas pela criação de animais, cerâmica e agricultura.
A agricultura, por sua vez, se coloca como alternativa às novas condições climáticas e ambientais, mediante o aprimoramento de um processo já conhecido, o que permitiu a formação de aglomerados humanos, reunidos na luta pela
sobrevivência no planeta em momentos bem distintos. Obviamente a influência da agricultura na mudança desses
aglomerados humanos variou com as condições edafoclimáticas de cada local, como o clima, o relevo, a litologia, a
temperatura, umidade do ar, radiação, tipo de solo, vento, composição atmosférica e a precipitação pluvial. Cada um
desses elementos interfere de forma isolada nos processos biológicos de plantas, animais e microrganismos que vivem
em um bioma, porém maior influência é percebida quando dois ou mais desses elementos agem de forma conjunta,
resultando em condições climáticas complexas ou mesmo divergentes das mais comumente encontradas. Essa biodiversidade formada mediante um processo evolutivo constante é apropriada em cada local pela agricultura constituindo
a agrobiodiversidade.
Ao longo da história até os dias atuais, a luta da agricultura familiar camponesa, portanto, pode ser vista com uma luta
por autonomia, uma luta que ocorre dentro de cada propriedade individualmente, mas que também envolve comunidades rurais e movimentos sociais do campo. Não obstante, partir do início da revolução verde foram constituídas forças
que passaram a determinar não só o que se produz, mas quanto, onde, como, quem e para quem se vai produzir. Isso
mostra que há uma luta entre diferentes forças. As sementes de cultivares comerciais ao longo das últimas décadas vem
levando a um crescente estreitamento da base genética das plantas cultivadas contribuinte de um processo em curso
denominado de erosão genética. Um bom exemplo é a emergência do setor privado, como ator preponderante na pesquisa, e a dominância do mercado agrícola e tecnológico por um conglomerado de corporações que, combinado com o
monopólio de patentes, passam a ter um controle sem precedentes sobre as bases biológicas da agricultura e do sistema
agroalimentar. A apropriação de direitos corporativos sobre a base genética da agricultura obriga, inclusive as instituições públicas, a negociar licenças com várias empresas detentoras de biotecnologias para que possam pesquisar e liberar
organismos geneticamente modificados e outros sujeitos a patentes.
PREFÁCIO
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A agroecologia, como ciência, vem há décadas encampando a luta em defesa da agrobiodiversidade e das sementes crioulas,
o que contribui de forma significativa para que o campo brasileiro possa gozar de autonomia de escolha de qual variedade
cultivar, resgate da tradição e fontes de segurança e sustentabilidade alimentar. Por sua vez, os bancos de sementes crioulas
representam justamente um mecanismo de segurança em relação à aquisição dessas sementes, garantindo estoques e sua
disponibilidade aos agricultores familiares. O movimento agroecológico pelas sementes crioulas é uma luta para defender,
resgatar, multiplicar e valorizar as sementes tradicionais. As sementes crioulas fortalecem a autonomia dos agricultores,
contribuem para a preservação da agrobiodiversidade, promovem a resiliência e sustentabilidade dos sistemas alimentares,
além de desempenharem um papel crucial na preservação da cultura tradicional no Semiárido brasileiro. As variedades
crioulas são dinâmicas, encontrando- se em permanente processo evolutivo e de adaptação às condições ambientais e sistemas de cultivo.
Em respeito aos princípios agroecológicos adotados e a partir da compreensão de que a preservação e o aprimoramento
dos conhecimentos, dos saberes e das práticas das guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade seriam iminentes, o Pró-
-Semiárido buscou parcerias com a Embrapa Semiárido, bem como o Serviço de Assessoria a Organizações Populares
Rurais (SASOP) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) para constituir um programa de Sementes Crioulas. Dessa forma estaria encarando alguns desafios como a perda de diversidade genética decorrente das monoculturas
tradicionais e a contaminação das sementes crioulas por genótipos transgênicos e sementes híbridas, assim como a
garantia e disponibilidade de sementes adaptadas localmente.
A evolução das espécies na área do Pró-Semiárido foi forjada a partir de uma imensa heterogeneidade ecológica nos 32
municípios que o integram, onde ocorrem oito Zonas Ecológico-econômicas, 17 Unidades Geoambientais, 16 Fitofisionomias, além de tipos climáticos que variam de Árido a Semiárido, Subúmido a Seco. Levando-se em conta que a
precipitação média anual oscila entre 400 e 1.000mm e a altitude entre 200 e 1.200m, conclui-se que essa variação influi
na seleção natural dos genótipos mais adaptados a essas condições, mediante o mecanismo de adaptação de indivíduos a
esses diferentes ambientes. A metodologia desenvolvida pela Embrapa e implementada pelos parceiros no programa de
sementes do Pró-Semiárido, procurou valorizar e conservar a biodiversidade, a autonomia, a adaptação e resiliência, no
sentido de melhorar a relação entre os desenhos de cultivos, o potencial produtivo de cada agroecossistema e as limitantes ambientais como o clima e a paisagem, para assegurar a sustentabilidade.
As sementes crioulas são consideradas uma das portas de entrada da transição agroecológica, pela sua adaptação a
sistemas produtivos de baixo uso de insumos externos, básico para a agricultura familiar camponesa. Assim sendo, o
Pró-Semiárido traz a inspiração para políticas públicas a partir das inúmeras possibilidades do fortalecimento e da
construção de redes de sementes crioulas fundada nos bancos de sementes crioulas familiares, coletivos e territoriais.